Descobrindo o TalkBack, por um usuário de VoiceOver – parte 2 – a escolha do dispositivo

Salve, galera!

Como vocês já perceberam, eu gosto de dividir os artigos em reflexões e assuntos práticos.

Então sem mais delongas, vamos refletir e analisar!

Objetivos

No primeiro artigo , analisamos a importância de olhar para o Android como uma alternativa viável de acessibilidade móvel.

Agora que estamos embasados para prosseguir, você pode estar se perguntando, de fato, qual o objetivo desta série de artigos.

Vou tentar explicar da mais breve e melhor forma possível.

Alguns meses atrás, iniciei uma pós graduação em desenvolvimento de aplicativos móveis. Obviamente, uma das plataformas obrigatórias abordadas no curso é o Android, já que uma grande maioria dos dispositivos hoje usa esse sistema.

Ser um desenvolvedor móvel deficiente visual é, apenas por si, um desafio enorme. Cursar uma pós conceituada mantendo o mesmo ritmo dos colegas videntes, nem se fala.

Mas isso é assunto para um ou mais artigos no futuro, em outra série … por agora, a chegada da pós teve uma função decisiva na minha abordagem quanto ao Android.

Eu estava esperando cursar as disciplinas de desenvolvimento para essa plataforma apenas no final do ano, mas fui ligeiramente surpreendido pelo calendário. De uma hora para a outra, isto é, na segunda aula, me encontrei na posição de ter que aprender a desenvolver para um sistema que eu não conhecia, e usando tecnologia assistiva da qual eu literalmente apenas tinha ouvido falar mas que nunca tinha me passado pelas mãos. Era isso mesmo, teria que aprender a desenvolver agora, imediatamente, correndo e com qualidade.

Isso me deixou, além de pirado, apavorado e desesperado, com uma oportunidade única nas mãos: da mesma forma que um Apple me chegou e eu tive que aprender mudando de plataforma abruptamente há três ou quatro anos atrás, agora precisaria ser tempestivamente fluente na plataforma Android.

Então prontamente pensei em destacar essas minhas experiências na BlindTec, através de uma série de artigos. É onde começamos a saga.

Para fazer paridade com a experiência do iPhone, vou apenas procurar por informações básicas e tentar aprender sozinho, utilizando meu prévio conhecimento de tecnologia assistiva.

Claro que dúvidas irão surgir, mas pretendo me ater apenas a o que um usuário recebe por padrão no telefone, da mesma forma que eu fiz com o iOS, e relatar as experiências daí advindas.

Como objetivo final, espero iniciar um debate sobre os pontos positivos e a melhorar do Android, a fim de que a comunidade possa usar parte dessas experiências como base para sugerir, solicitar ou implementar melhorias e aperfeiçoamentos do sistema no que diz respeito a acessibilidade.

Colocando mais algumas cartas na mesa

Esta série de artigos não é uma defesa do Android em detrimento ao iOS, nem vice versa. A BlindTec entende que tais polêmicas destrutivas e brigas não agregam aos nossos leitores, pois respeitamos incondicionalmente o tempo e as escolhas de cada um.

Outrossim, esta série não objetiva ser um guia prático para novos usuários de Android. Nem objetiva ensinar pessoas a usar aplicativos e técnicas alternativas para suplantar eventuais falhas de acessibilidade do Android e não será opinativa, ao contrário, será analítica.

Um pouquinho de filosofia ** ou você é obrigado a pensar em tudo durante o tempo todo? Eu não, e acho que ninguém deveria

Quando falamos em Apple, temos o controle da experiência do usuário nas mãos de uma organização apenas. Você não pensa em nada, eles pensam por você. O que eles pensaram, funciona. Muitas vezes bem, algumas vezes satisfatoriamente, quase nunca mal. No que eles não pensaram você também não pensa, pois pensar não vai adiantar.

Para o bem ou para o mal, o controle das coisas está na mão deles. Você apenas relaxa e usa os dispositivos.

Do meu ponto de vista, isso é muito bom e desejável. Da mesma forma que pessoas videntes que tentaram muito mas nunca conseguiram usar um computador foram incluídas digitalmente a partir de dispositivos móveis que não exigiam tanto conhecimento técnico, quanto menos a tecnologia assistiva aparecer e mais intuitivo um processo for, mais deficientes visuais serão incluídos digitalmente.

No mundo Apple, a regra é se concentrar no que você precisa fazer, ou seja, ler seus e-mails, acessar o Facebook ou qualquer outra coisa.

No mundo Android isso nem sempre é verdade, principalmente para deficientes visuais.

Qual aparelho escolher

Esse é o ponto onde nossa angústia se inicia.

A Google permitiu que diversas empresas usem seu sistema operacional móvel como base para seus produtos. Até onde eu saiba *a informação não foi checada * não há limites da porcentagem do código original do sistema que precisa ser usada para que uma fabricante diga que seus aparelhos rodem Android, ou seja, qualquer empresa pode “estripar” o fonte original do Android, removendo coisas que não lhes servem.

Mais do que isso, qualquer parte do sistema pode ser modificada para atender melhor a necessidade de determinados produtos. Portanto podemos dizer que:

  1. Ao contrário do mundo Apple, Não há qualquer garantia de que o aparelho A com Android se comporte como o aparelho B com Android.
  2. Não existe qualquer obrigação das fabricantes de dizerem o que foi mudado ou removido no Android e para qual finalidade.

A diversidade de fabricantes e aparelhos traz vantagens e desvantagens, mas de uma coisa nós sabemos: todos eles são absolutamente acessíveis …. para quem enxerga.

De fato, nenhuma fabricante seria maluca de lançar um aparelho com severas dificuldades de navegação na interface gráfica a ponto de tornar seu uso inviável para seus clientes.

Mas, quantas fabricantes de fato consideram o público deficiente visual como clientes?

Se considerarmos que a área de acessibilidade do sistema “não agrega” se portadores de necessidades especiais não forem considerados como clientes e se considerarmos que no geral todo e qualquer leitor de telas depende de um framework gráfico com regras bem estabelecidas e que exponham as informações de maneira adequada para que possam funcionar adequadamente, começamos a ter problemas, pois claramente se as fabricantes “estriparem” ou mudarem partes do sistema a tecnologia assistiva pode simplesmente não funcionar ou funcionar de forma limitada para esses aparelhos.

A coisa começa, portanto, a ficar complicada para deficientes visuais que dependam de aparelhos Android, sobretudo os usuários sem conhecimento técnico, que são a maioria, até mesmo porque ninguém tem a obrigação de ser especialista em Android para poder comprar e usar um celular.

A pergunta que precisamos fazer

Mas, no fim das contas, qual então é o melhor aparelho ou a melhor fabricante para quem usa o TalkBack?

Essa é a pergunta para a qual eu busquei respostas na internet mas não encontrei.

O que eu achei, depois de muito procurar, foram apenas opiniões. Mas essas, mesmo sendo importantes, não satisfazem o requisito de que um deficiente visual, sozinho, deveria ser capaz de comprar um aparelho Android com bom nível de acessibilidade sem depender de terceiros.

Uma pesquisa no Google, por exemplo, com os termos “qual o melhor aparelho Android para se usar com talkback” trouxe dez páginas, das quais três foram de fabricantes, duas de portais de mercado falando artigos curiosos sobre o TalkBack, duas do portal talkdroid (uma demonstrando o uso no Android 4 (a versão atual é a 6 .. ) e outra para a página principal) e um artigo falando sobre como instalar vozes em português possivelmente para o Android 2.0 ou similar.

Interessante observar que das páginas retornadas ao menos três tratavam de como desativar o TalkBack, o que pode significar que pessoas videntes o estejam ativando de maneira acidental.

Para completarmos essa parte do estudo, vale a pena fazer o mesmo experimento em inglês. Buscando no Google por “best Android device to use with TalkBack” ironicamente o primeiro resultado fala de outro leitor de telas, sobre o qual não nos estenderemos no momento e demais resultados são ou da própria Google ou de outros sites falando de maneira geral sobre o TalkBack inclusive dois deles sobre como as opções de acessibilidade do Android podem ser úteis mesmo para videntes.

Como era de se esperar, o artigo sobre como desabilitar o TalkBack não faltou.

O que eu fiz

Parti do princípio de que quanto menos as fabricantes mudem o sistema, maiores as chances de ele funcionar, do ponto de vista de acessibilidade, de acordo com o que os desenvolvedores do TalkBack planejaram.

A série Nexus, desenvolvida por diversas fabricantes sempre seguindo as especificações da Google, parecia ser a melhor opção, já que ela contém o que chamamos de Android puro.

Essa série seria o mais perto de termos aparelhos produzidos pela própria Google, mas como se eles usassem a fábrica de um terceiro para fazer isso.

Entretanto, os aparelhos Nexus são relativamente caros. Se consideramos que a Apple deixa de ser uma opção completamente viável devido aos altos preços, não podemos comprar aparelhos com valores também altos, apesar de bem inferiores aos dos produtos da empresa da maçã, para fazer nossa análise.

Por isso, investiguei se havia alguma solução viável e com preços mais baixos.

Também aqui tive dificuldades, já que é bem complicado descobrir quais fabricantes modificaram o Android e quais modificações foram feitas. Depois de pesquisar bastante, entendi ** mesmo não tendo certeza ** que a Motorola não costuma modificar muito o sistema. De fato, alguns locais pesquisados dizem que o Android nos aparelhos desta fabricante é puro e outros dizem que é quase puro, mas todos parecem concordar em que as modificações, se existirem, são bem poucas.

Assim, adquiri um Moto G de terceira geração. Com alguma coincidência, esse smartphone parece ser o mais vendido no Brasil, o que o torna um bom parâmetro se quisermos verificar como um cego opera um telefone com ampla aceitação de pessoas videntes.

Conclusão

A falta de informação a cerca do universo Android sempre me incomodou. Esse incômodo se amplia quando falamos sobre tecnologia assistiva nesses dispositivos.

Seria, em minha opinião, urgente que se estabelecesse um conjunto base de operações a serem realizadas com o TalkBack em todos os aparelhos Android disponíveis e que se criasse, a partir delas, um rating de acessibilidade a ser emitido pela Google ou por organizações de deficientes visuais, para podermos medir com assertividade o quanto cada um deles pode ser adquirido com segurança.

Entre essas atividades, poderiam estar a configuração inicial do aparelho, a configuração inicial de acessibilidade (TalkBack), o gerenciamento de mensagens SMS, a navegação web, a operação do aplicativo de telefone e a configuração e gerenciamento de e-mails.

A comparação deveria ser feita sempre a partir de um Android puro e critérios como rapidez, estabilidade, usabilidade e eficiência poderiam ser usados para o rating de acessibilidade.

No próximo artigo, vamos falar sobre a abertura da embalagem do Moto G e a configuração inicial do aparelho.

E você o que pensa sobre isso?

Esperamos pelos seus comentários!

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5 comentários

  • Olá Marlon,
    Parabéns pelo artigo e pelo blind tech.
    Sou ouvinte desde o primeiro.
    Sugiro que procure pelo canal acessibilidade Android no youtube e pelo site:
    http://www.acessibilidadeandroid.com.br
    Temos muitos vídeos explicando desde a configuração inicial até revieus de aparelhos.
    quanto aos fabricantes, ao menos na minha opinião acho os Samsung bem melhores que os Motorola no quesito acessibilidade.
    A Samsung costuma alterar o sistema, mas cuida da acessibilidade inserindo recursos que não existem no Android puro.
    A LG tem melhorado bastante, os aparelhos atuais da Sony e até a quantum que após um revieu publicado pelo nosso site, fez melhorias de acessibilidade.
    Espero ter contribuído.
    J.Luccas

    • Josué,

      Obrigado por comentar.

      Embora eu saiba da existência do site acessibilidadeandroid a questão aqui é quantas pessoas mais sabem?

      Existe muita informação sobre o Android e vocês certamente fazem um bom trabalho mas essa informação está bem fragmentada pela internet como minha pesquisa mostrou.

      Se eu que sou um usuário relativamente experiente de tecnologia assistiva “não consegui” encontrar essa informação, quanto mais um usuário iniciante, do perfil que vai normalmente usar esse sistema.

      São essas pessoas que precisamos atingir e, em minha opinião, estamos falhando nesse ponto.

      Eu mesmo estou aprendendo bastante sobre conceitos de seo então ainda posso ajudar bem pouco, mas sugiro que vocês investiguem o que precisa ser feito para serem mais facilmente localizados.

      Ainda sim, afirmo que a iniciativa de concentrar informações oficiais sobre o estado da acessibilidade do Android e de dizer quem está mais aderente aos critérios básicos de acessibilidade da plataforma deveria ser tocada pela Google ou por alguém a seu serviço.

      Certamente vou acompanhar o acessibilidadeAndroid mas, para essa série, vou utilizar apenas meu conhecimento prévio de tecnologia assistiva pois o objetivo é comparar o quanto o sistema é intuitivo para um usuário iniciante que desconhece a existência de outros portais e sites sobre o assunto .. obrigado pelo comentário e vamos continuar essa conversa, bem relevante para a nossa comunuidade.

  • Até a data de hoje, 16/06/2016 temos a seguinte situação com relação à customização do Android:
    1. Mororola (que agora é Lenovo), LG nos dispositivos de 2015 em diante, além da linha Nexus, são fabricantes que não costumam customizar muito o Android.

    Asus, apesar de ter celulares bem interessantes, não é a fabricante recomendada em se tratando de usuários cegos, pois no início da configuração do telefone já temos um grande entrave, que é o teclado inacessível.

    A Xiaomi tem uma interface chamada Mi, baseada no Android, mas totalmente modificada. Até hoje, não encontrei relatos de acessibilidade ou não nos dispositivos.

    Samsung.

    Android extremamente modificado, porém, existe uma grande preocupação com acessibilidade em seus aplicativos.

    Sony:

    Embora o Android modificado ao extremo e a preocupação com acessibilidade na maior parte dos aplicativos, é uma incógnita, pois não raro fazem alguma modificação na interface que nos dá algumas dores de cabeça com relação à acessibilidade.

    Para total autonomia desde a configuração inicial, recomendo então Motorola, (atual Lenovo), Samsung, os LG de 2015 em diante e os tops de linha da Sony, pois são os únicos que levam em conta um pouco da acessibilidade e dá pra se virar legal.

    Quanto a aplicativos de terceiros, aí é outra história.

  • Pingback: Descobrindo o Talkback, por um usuário de VoiceOver - parte 1 - BlindTec

  • Bom dia,

    Meu nome é João Marcelo, sou do Rio de Janeiro e sou técnico e professor de informática. Já fui instrutor de digitação no Instituto Benjamin Constant e, atualmente, estou estudando o Talkback para montar um curso em uma escola municipal que tem um projeto voltado para cegos.

    Eu descobri uma forma de padronizar a maioria dos aparelhos de marcas mundiais, através da instalação de uma versão alternativa de Android que promete ser mais rápida, mais pura e que é usada por mais de 50 milhões de pessoas no mundo todo. Chama-se Cyanogenmod. Eu estou fazendo testes em meu Galaxy Pocket Neo, e os resutados são interessantes. O aparelho ficou mais atualizado (4.4.4, ao invez da 4.1.2 do fabricante). Também ficou mais rápido e e me permitiu instalar o Talkback 4.5.1.

    Caso tenham interesse, vou deixar links sobre o assunto:
    https://pt.wikipedia.org/wiki/CyanogenMod
    http://www.cyanogenmod.org/ (em inglês)

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